sábado, 10 de maio de 2008

Causo Verídico: A diligência do macaco "saliente".


Como todo aquele que milita no foro em geral sabe, os oficiais de justiça são, talvez, os representantes da Justiça que mais conhecem da realidade pessoal dos jurisdicionados. Isso porquê, por força do ofício, dirige-se até os cidadãos, em seus locais de trabalho, em suas casas, em seus domicílios. Essa abordagem, geralmente conflituosa, pode ser, também, bastante prazerosa. Ela possibilita o desenvolvimento de um viés diferenciado do servidor comum, das Varas, que também atende ao público. É que feito o contato, muitas vezes para dar ao destinatário uma notícia não tão confortável, coitado daquele que não detém uma grandeza de alma para se transmutar em psicólogo, orientador ou mesmo repressor, se preciso for. Assim, se o “alvo” da diligência perdeu a causa e está para sofrer execução, se está sendo compelido a prestar depoimento sob vara, se recebe intimação para entrega de bens ou mesmo a citação inicial das demandas, essa diligência pode se transformar em problemas para o Oficial de Justiça. Isso no âmbito trabalhista.
Mas nem só de problemas vive o Oficial de Justiça, cuja atuação é crucial para resolvê-los satisfatoriamente(a própria demanda). Muitas vezes fatos curiosos e engraçados acontecem no dia a dia. Alguns fatos jocosos envolvendo oficiais de justiça acabam em domínio público. Um Oficial da Justiça Federal uma vez certificou que tinha ido tantas vezes ao endereço do mandado, que o cachorro da residência até já se mostrava amistoso com sua presença. Tem aquela, famosa, do oficial de justiça que teria relacionado no auto de penhora “um crucifixo da marca INRI”...
Mas, para mim, um dos episódios marcantes foi a diligência do macaco saliente.
Na época (e lá se vão mais de quatorze anos), na condição de um dos poucos(menos de dez) oficiais de justiça avaliadores do TRT da 23ª Região e, dividindo com o colega Adauto toda a região de Várzea Grande, eis que apareceu para cumprimento um mandado de intimação de testemunha. O endereço era num bairro novo de Várzea Grande, lado direito da Avenida Júlio Campos, direção do Trevo do Lagarto(Atenção – é Lagarto e não Largato!). O bairro em questão não era asfaltado, era pouco povoado, com vários terrenos baldios, poucas casas e uma terra vermelha com um pó que se levantava com a passagem dos carros. Para complicar, não havia menção a número nas residências e nem as ruas tinham nome. Certamente era um bairro nascido de um loteamento e acabei rodando um bom tempo pelo local sem qualquer progresso. Aí então notei que o advogado tinha sido diligente. Ao lado do endereço do tipo “Av L2, qualquer coisa”, havia uma observação: “casa com uma árvore na frente com um macaco amarrado”.
Achei engraçada aquela informação, mas comecei a parar os poucos transeuntes perguntando sobre uma casa com aquela árvore em frente e, claro, com ênfase no tal macaco.
De repente, naquele poeirão vermelho vi alguns meninos voltando da escola. Era um grupo de escola estadual com aquelas camisas brancas de tergal (quer dizer, vermelhas da terra, já), calça azul marinho e tênis. Já usei muito essas roupas típicas de escola pública. Nos pés usávamos CONGA, depois KICHUTE. É sou velho mesmo, mas vamos pra frente. Olhei um menino branquinho, cabelos loiros que nem andava. Tinha tanta energia que até quicava. Pensei: com certeza esse menino sabe do macaco! Parei o carro ao lado e perguntei da casa e do macaco. O menino sabia, claro. E ao dizer que sabia já saiu quicando na frente do carro: por aqui, por aqui! Entra em rua sai em rua e o guri na frente, com o cabelinho loiro(avermelhado) até pregado na testa, todo suado.
Enfim, o guri me levou à tal casa. Era uma casa de material, num lote que ficava bem abaixo do nível da rua. A árvore em frente era frondosa, bem grande, mas por conta da diferença de altura entre o lote e a rua podia-se ver, com perfeição, que num dos seus galhos estava realmente preso um grande macaco. Não me pergunte a raça, ou maiores especificações técnicas. Não era um chipanzé. Era um macaco da fauna brasileira. Tinha rabo comprido. Não era mico, apesar daquela situação toda “cheirar a um grande mico”.
Bati palmas e o morador veio até mim. Òtimo! era o intimando em pessoa, que passou a conversar comigo ao lado do carro. O guri? Ficou do lado também, só que quicava, atentando o macaco. Aí que notei algo estranho. Era uma diligência tranquila, de intimação de testemunha, mas o intimando não estava tranquilo. Podia perceber sua expressão de preocupação, parecia muito incomodado com alguma coisa. Seria temor da Justiça do Trabalho? Iria perder dia de trabalho depondo? Me pus a explicar sobre a audiência, local, horário, obrigatoriedade de comparecimento, etc. Até para acalmá-lo. Mas de repente ele soltou um: ôh guri, não joga nada nele não! E logo depois um outro “ôh guri!” voltou a interromper a conversa. Percebi sua irritação e pedi desculpas me responsabilizando pela presença do menino, mas que fora o único que soubera me explicar o endereço. O moço me falou entre dentes: pois é esse guri vem todo dia atentar meu macaco!
Pronto para ir embora, diligência completa, quis dar a mão pro intimando no exato momento em que ele gritou: cuidado! E iniciou uma corridinha. Eu, com o susto corri junto. Ao tempo de perceber vários “projetis” lançados em nossa direção. Um cheiro forte, horrível tomou conta do ambiente. O menino, que quicava ao nosso lado, havia sido o verdadeiro alvo dos “projetis”. Como todos havíamos nos safado tive tempo de entender a situação. O macaco, muito bravo e certamente inconsolado por não poder atacar diretamente o menino(estava acorrentado), defecou nas mãos e “mandou bala” em nossa direção.
Percebi o perigo da situação e antes que o inimigo “se armasse”, recarregando mais “munição”, entrei apressadamente no meu carro e sai da praça de guerra. O poeirão vermelho levantou novamente e pelo retrovisor pude ver o menino quicando, na estrada de chão, certamente ia pra casa, ou atentar ou macaco saliente.

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