sexta-feira, 30 de maio de 2008

Dica de aquisição: “RAPOSA”, UMA FÁBULA BEM REAL



A última pesquisa feita pelo IBOPE, intitulada “Retratos da Leitura”, trás uma importante revelação(na verdade uma constatação):“As faixas mais jovens lêem mais do que as mais velhas, a influência da escola é importante na formação do leitor, a importância da mãe, ela tem papel fundamental para formar leitores”. Essa afirmação é de Jorge Yunes(em reportagem do Jornal Nacional de 28/05/2008), presidente do Instituto Pró-Livro.
A pesquisa espelha uma realidade. Em casa, Cleide faz extensas pesquisas para escolher os livros dos meninos. E, os momentos de leitura coletiva, antes de dormir se tornam um prazer a mais porque os livros brasileiros escritos para criança são de muita qualidade.
“Raposa” não é um livro de escritor brasileiro, mas é um livro que indico sem qualquer receio. É ótimo. Foi escrito por Margaret Wild e trata-se de uma fábula de uma poesia ímpar envolvendo três personagens: Cão, Gralha e Raposa. Assim como “Alice no País das Maravilhas” e “O Pequeno Príncipe”, “Raposa” encerra infinitas interpretações semióticas... desde a relação simbiótica entre Cão e Gralha, em que a amizade por necessidade é demonstrada, perpassando pela inveja de Raposa e sua candente necessidade de seduzir e depois trair....Enfim, “Raposa” é uma fábuba profunda e perturbadora, exatamente por se encaixar em várias situações sociais. Cães, Gralhas e Raposas, personagens presentes no trabalho, na escola, na família...
Além do mais, as ilustrações a cargo de um artista chamado Ron Brooks complementa a beleza do trabalho. Lia “Raposa” para meu filho e de repente recebi um cutucão para continar a leitura. A história era tão bela, que me perdi em pensamentos.
O trabalho recebeu vários prêmios internacionais, tanto pelo primoroso texto, quanto pelo design. No Brasil a editora que publicou raposa é a Book Brinque. Adquira, você vai gostar.

Crônica Moderna e clichês

(Vênus e Marte, quadro de Sandro Botticelli, pintado em 1657)

Enfim, Tício casou-se com Mévio. Cerimônia simples, não estavam de branco, já que os dois já são avôs. Mas já se decidiram: adotarão uma criança.
Tício, aliás, resolveu submeter-se ao período de prova que antecederá sua transgenitalização. Não vê a hora de ser chamado Ticiana.
Seu filho mais velho, Lívio, aquele casado com a moça em coma(por conta de bala perdida), apesar desses graves problemas que enfrenta já avisou que não aceitará duas mães em seu registro de nascimento. Também pudera, não estão com cabeça para isso agora. Veja que convertidos a Testemunhas de Jeová tiveram até que acionar a Justiça para impedir a primeira transfusão de sangue...
O do meio, Caio, agrônomo, veio para Mato Grosso. Está sendo processado pelo MPF. Também...plantou algodão transgênico. Comenta que “todos estão contra o desenvolvimento” e que se a coisa continuar assim prefere se tornar “brasiguaio”. Ironia, ele que tem terras na fronteira, perto da reserva indígena...Já pensou se investigam melhor aqueles carreadores de madeira?
O caçula, Tito, finalmente se formou em jornalismo. Parecia que ia ser jubilado, envolvido com movimento estudantil... Mas já está engajado numa Ong e ajudou na movimentação em prol da liberação das pesquisas com células-tronco. Inconfundível com seus piercings e body modification é o único que aceita o casamento de seu pai com Mévio. Também, dizem na cidade que é "bi" ou "tri", chegando, no carnaval, a ser até travesti...
Tia Magda, coitada, recolheu-se à religião, inconformada com toda essa situação. Mas até que reza bonitinho. Outro dia mesmo eu a vi terminando: Deus, dê comida a quem tem fome. E a quem tem o que comer, que dê fome de Justiça!

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Opinião - Trânsito: repressão e educação.



Tenho certeza que o trânsito de Cuiabá lhe incomoda ou já lhe incomodou. Hoje cedo, deslocando-me para o trabalho, antes das oito horas da manhã, pelas vias não planejadas da Capital, mais uma vez enfreitei pequeno congestionamento entre o Jardim Itália e a Miguel Sutil, pela antiga Avenida dos Trabalhadores, que agora chama-se (pelo menos oficialmente) Dante de Oliveira. Esse congestionamento ocorre porque a Avenida dos Trabalhadores é via de escape de enorme contingente de condutores que, por serem moradores do Grande Coxipó, habituaram-se a evitar a Avenida Fernando Corrêa. Do mesmo modo, procuram a Avenida dos Trabalhadores os condutores moradores do Grande CPA, bem como os dos bairros contíguos à sua faixa de rolamento (desde o Pedregal até o Três Barras).
Assim, apesar de não ser uma capital de grande porte, mas por sofrer pelo tímido planejamento urbano ao longo de sua existência, Cuiabá apresenta algumas zonas de “estrangulamento” de trânsito nos horários de pico, principalmente em suas vias principais, como a Fernando Corrêa, a Miguel Sutil, a Avenida dos Trabalhadores, a Avenida do CPA e todas as vias que lhe são secundárias.
O debate sobre o trânsito é um debate sobre o espaço público e também sobre o comportamento público dos cidadãos.
Isso porque as ruas são, juridicamente, bens de uso comum, ou seja, todos os cidadãos estão aptos a utilizá-las. Ou pelo menos deveria ser assim.
Por isso me assombro com algumas opiniões de motoristas acerca da questão do tráfego, como: deveriam retirar esses ônibus e caminhões das linhas mais movimentadas!
Ônibus e caminhões? E deixar os carros? Sim, o estabelecimento desse “Apartheid” muito mal disfarçado é a solução apresentada por alguns. Assim, à classe econômica mais privilegiada, a que tem condições de adquirir, financiar e manter carros é que seria garantido o acesso a esse espaço público, bem que passaria a ser de apenas alguns poucos. Afinal, os ônibus só transportam pobres mesmo... Eles que se virem para chegar aos empregos, serviços, “bicos” (que sustentam a economia da cidade)...
Incrível como essas pessoas não produzem propostas pensando no coletivo, no todo. Seria muito mais razoável, econômico e correto do aspecto ambiental que o transporte público fosse privilegiado, tornando-se de boa qualidade. Não só ônibus, mas, talvez, metrôs de superfície, se os subterrâneos são tão caros...
Não fugirei da discussão: muito do trânsito complicado de Cuiabá tem a ver com falta de educação no trânsito mesmo. Ninguém cede passagem. Se você estiver numa via secundária, esperará por vários minutos por alguém cordial o bastante para ceder passagem, quando esta deveria ser a regra. As pessoas não admitem perder uns poucos segundos com uma gentileza porque encaram aquele convivência no espaço público exatamente como mais um ato, coerente com sua atuação no espaço “privado”.
E o espaço “privado” é o espaço da competição, do “eu sou mais eu”, do individualismo a serviço da ascensão profissional, etc. O mundo é dos “espertos”. Se “bobear você leva”...Essa é a tônica. Esse tem sido o comportamento, muito pouco ético por sinal na empresa, nos órgãos públicos, na família.
Veja a seguinte cena: a “madame” ou o “madamo” leva o Júnior à escola. Em frente à portaria desta para o seu carrão(geralmente caminhonetes enormes que comprometem a passagem pela via) – tem que ser exatamente em frente à portaria da instituição. E enquanto todo os outros condutores (a Sociedade) os esperam(porque não tem outro jeito mesmo), o Júnior desce do carro. A “madame” ou o “madamo” então aperta aquele dispositivo interno do carro, muito moderno e o porta-malas se abre. O Júnior vai até a traseira do carro pegar o material escolar. E, com direito antes a um beijinho na “madame” ou no “madamo”, finalmente adentra a sua escola. A mensagem é simples: “filho, primeiro nossos interesses. Temos poder e dinheiro o bastante para ocupar o espaço público como bem entendermos”. E, geralmente essas pessoas tem, mesmo poder político ou econômico, a julgar pela postura prepotente e pouco democrática, muito típica de quem está acostumado a “mandar”.
Como construir uma nova ética, mais democrática, em uma Sociedade que parece não querer abrir mão da postura agressiva de competição social, nem mesmo no espaço público? O que dizer do ato recorrente de “furar filas” de cinema, no banco, etc?
Mas a criação de uma nova cultura deve ser estimulada nem que seja mediante a repressão mais eficaz. Sobre repressão gostaria de escrever numa outra ocasião.
Para não terminar este post com um sentimento muito negativo, anoto uma constatação interessante: alguns mecanismos de auto-gestão do trânsito, como a liberação de passagem com preferenciais em rotatórias tem tido sucesso. Por que isso ocorre e na mesma cidade do “madamo” e da “madame”? Isso precisa ser investigado. E mais. Em Tangará da Serra/MT é comum que nas vias os veículos cedam passagem preferencial aos pedestres. Como conseguiram essa façanha? Quem participou dessa vitória? Eu imagino que seja uma iniciativa de várias instituições: escola, CTG´s, Universidades, Clubes de Diretores Lojistas, Detran, Prefeitura.
Essas vitórias é que deixam alguma esperança de que nosso trânsito pode melhorar.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Poesia: Uma palavra a Néstor Perez

Nós, servidores do MPF estamos condicionados a respirar poesia nas sextas-feiras. Pura obra de um abnegado chamado OSÓRIO SILVA BARBOSA SOBRINHO. Ele é responsável por um e-mail semanal intitulado:"POESIA:DELEITE-SE OU DELETE".
É uma iniciativa muito interessante, que "quebra" a dureza inerente ao enfrentamento dos mal-feitos que somos, por dever, obrigados a conviver. Mas já sofreu muitas críticas essa iniciativa. Mas ele resistiu e consolidou o espaço, felizmente.
Por isso dedico a essa iniciativa de Osório, o poema singelo que fiz, em homenagem a Néstor Perez. Sua história foi mencionada pela blogueira cubana, Yoná Sanchez( generación Y) Trata-se de um estudante de direito cubano que foi expulso, inclusive por seus colegas e reitor, por atividades que desagradaram o regime. Lá vai:

Uma palavra a Néstor Perez

Sei, Néstor,
porque o fizeste.
Enfim, perguntaste a
tua alma,
e o fizeste
como alguns poucos
mesmo contra as leis de teu Estado.
E que irônico mistério:
te preparaste
para utilizá-las.
Certamente um seleto dilema
como alguns poucos
enfrentaste:
prestidigitar “verdades”
em consonância com a lei,
ou operacionalizar Justiça
utilizando seu saber.
E tal qual Antígona
o fizeste
como muitos poucos,
mesmo contra as leis do teu Estado.
E como Antígona
sozinho ficaste,
perante teus pares
e teu Reitor.
Sei, Néstor,
porque o fizeste.
Um dia também perguntei
à minha´alma.
E escolhi, como tu
operacionalizar Justiças
mesmo na humilde
e insignificante
parcela que me cabe
na construção da liberdade.
Pois é a Justiça,
e não as leis
o verdadeiro valor.
Eu sei Néstor,
porque o fizeste.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Poesia: COMPARAMENTO

Os rios recebem, no seu percurso, pedaços de pau,

folhas secas, penas de urubu

E demais trombolhos.

Seria como o percurso de uma palavra antes de

chegar ao poema.

As palavras, na viagem para o poema, recebem

nossas torpezas, nossas demências, nossas vaidades.

E demais escorralhas.

As palavras se sujam de nós na viagem.

Mas desembarcam no poema escorreitas: como que

filtradas.

E livres das tripas do nosso espírito.

(Manoel de Barros,"Ensaios Fotográficos", Record, RJ, 2003)

Reportagem no blog do Josias de Souza:Minc chega comprando briga com Maggi, ‘rei da soja’

imagem colhida no site http://www.ecolnews.com.br/motoserra_de_ouro.htm


Essa vale a pena ser reproduzida. O jornalista JOSIAS DE SOUZA, 45 anos, colunista da Folha de São Paulo, postou em seu blog "JOSIAS DE SOUZA - NOS BASTIDORES DO PODER"(http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/):

De passagem por Paris, Carlos Minc deu uma entrevista curiosa. Deu-se antes de o Planalto confirmar a escolha dele para a cadeira de Marina Silva, que pulou fora de um barco que fazia água há tempos.

Secretário de Meio Ambiente do governo Sérgio Cabral, Minc disse que não aceitaria ser ministro. Chegou mesmo a apresentar uma boa razão: “O Rio de Janeiro eu conheço muito bem, o Brasil eu conheço muito mal".

Enquanto o futuro ministro falava na capital parisiense, Lula ouvia, em Brasília, um “não” do petista Jorge Viana (AC), preferido do PT para a vaga de Marina. Imaginando-se fora do páreo, Minc animou-se a descer a lenha no governador de Mato Grosso, o mega-sojicultor Blairo Maggi, aliado do presidente da República.

“Você pega o governador do Mato Grosso, ele próprio o maior produtor de soja do mundo, com a polícia na mão dele. E, se deixar, ele planta soja até nos Andes. Então, não é mole”.

De fato, é acerba, sob Lula, a vida do responsável pela gestão do meio ambiente. Marina Silva que o diga! Pedreira maior ainda para um ministro que já chega comprando as brigas da antecessora e esclarecendo que conhece “muito mal” o Brasil. Duro, muito duro, duríssimo.
Escrito por Josias de Souza às 02h48

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Filosofia : a palavra é A L T E R I D A D E


(Union Cavalry at Gettysburg, July 1st 1863(Civil War Times Illustrated)


No dia a dia sempre queremos saber o significado de uma ou outra palavra. Mas algumas delas são tão importantes que merecem uma pesquisa além de seu significado linguístico. Algumas palavras adquirem valores específicos quando analisadas em outros contextos, como o filosófico, o antropológico, o sociológico, o psicanalítico, etc.
Por esse motivo, tentarei analisar de forma recorrente, algumas dessas palavras importantes. A palavra "alteridade" está "pedindo" para ser uma das primeiras face à importância que o tema tem ganhado nos últimos momentos da história dos conflitos nacionais. Tudo o que falta é exatamente um pensar com alteridade. No contexto brasileiro agir preocupando-se com a alteridade, não tem sido a tônica dos atores sociais. Há conflito. E embora, em tese, possa haver conflito com os contendores preocupados com a alteridade, a marca dos conflitos atuais apresenta a nota de sua ausência.
Mas vamos à definição. Para a definição utilizamos o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano(Editora Martins Fontes, São Paulo, 2000, págs. 34/35), que apresenta um aprofundamento que não é nosso objetivo, mas enfim, resolvi transcrever o verbete inteiro, sem preocupação com o que pensaram a respeito Aristóteles, Plotino ou Hegel:


ALTERIDADE(latim- Alteritas, Alietas; inglês – otherness; francês - Altérité; Alemão – Anderheit, Anderssein; italiano – Alterita). Ser outro, colocar-se ou constituir-se como outro. A alteridade é um conceito mais restrito que a diversidade e mais extenso que a diferença. A diversidade pode ser também puramente numérica, não assim a alteridade(cf. ARISTÓTELES, Met. IV, 9, 1.018 a 12). Por outro lado, a diferença implica sempre a determinação da diversidade, enquanto a alteridade não a implica. Aristóteles considerou que a distinção de um gênero em várias espécies e a diferença dessas espécies na unidade de um gênero implica uma Alteridade inerente ao próprio gênero: isto é, uma Alteridade que diferencia o gênero e o torna intrinsecamente diverso(Met. V, 8, 1.058 a 4 ss). Do conceito de Alteridade valeu-se Plotino para assinalar a diferença entre a unidade absoluta do primeiro Princípio e o intelecto, que é a sua primeira emanação: sendo o intelecto ao mesmo tempo pensante e pensado, intelecto enquanto pensa, ente enquanto é pensado, é marcado pela Alteridade, além de sê-lo pela identidade(Emm., V, I, 4). De modo análogo, Hegel utiliza o mesmo conceito para definir a natureza com relação à Idéia, que é a totalidade racional da realidade. A natureza é “ a idéia na forma de ser outro(Anderssein)”.Desse modo, é a negação de si mesma é exterior a si mesma: de modo que a exterioridade constitui a determinação fundamental da natureza(Enc. §247). Mas, de modo mais geral, pode-se dizer que, segundo Hegel, a Alteridade acompanha todo o desenvolvimento dialético da Idéia, porque é inerente ao momento negativo, intrínseco a esse desenvolvimento. De fato, tão logo estejam fora do ser indeterminado, que tem como negação o nada puro, as determinações negativas da Idéia tornam-se, por sua vez, alguma coisa de determinado, isto é, um “ser outro” que não aquilo mesmo que negam. “A negação – não mais como o nada abstrato, mas como um ser determinado e um algo – é somente forma para esse algo, é um ser outro” (Enc., § 91).


Antropologia: os incríveis Nacirema

(foto de indio americano, etnia Sioux - "Red Bird" - pinçada do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Sioux)


O professor Doutor João Dal Poz, quando ministrou aulas para a primeira turma de Ciências Sociais da UFMT, da qual tive a honra de fazer parte, iniciou a Disciplina Antropologia I, com o texto de Horace Miner (In:A.K. Rooney e P.L. de Vore (orgs)YOU AND THE OTHERS – Readings in Introductory Anthropology - Cambridge,Erlich -1976), sobre os incríveis NACIREMA. O texto, que vale a pena ser lido é uma breve descrição desse povo que habitou o continente americano. Se você gosta de temas antropológicos, deleite-se:

Ritos Corporais entre os Nacirema(Horace Miner).

O antropólogo está tão familiarizado com a diversidade das formas de comportamento que diferentes povos apresentam em situações semelhantes, que é incapaz de surpreender-se mesmo em face dos costumes mais exóticos.


De fato, se nem todas as as combinações logicamente possíveis de comportamento foram ainda descobertas, o antropólogo bem pode conjeturar que elas devam existir em alguma tribo ainda não descrita.

Deste ponto de vista, as crenças e práticas mágicas dos Nacirema apresentam aspectos tão inusitados que parece apropriado descrevê-los como exemplo dos extremos a que pode chegar o comportamento humano. Foi o Professor Linton, em 1936, o primeiro a chamar a atenção dos antropólogos para os rituais dos Nacirema, mas a cultura desse povo permanece insuficientemente compreendida ainda hoje.

Trata-se de um grupo norte-americano que vive no território entre os Cree do Canadá, os Yaqui e os Tarahumare do México, e os Carib e Arawak das Antilhas. Pouco se sabe sobre sua origem, embora a tradição relate que vieram do leste. Conforme a mitologia dos Nacirema, um herói cultural, Notgnihsaw, deu origem à sua nação; ele é, por outro lado, conhecido por duas façanhas de força: ter atirado um colar de conchas, usado pelos Nacirema como dinheiro, através do rio Po- To- Mac e ter derrubado uma cerejeira na qual residiria o Espírito da Verdade.

A cultura Nacirema caracteriza-se por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que evolui em um rico habitat. Apesar do povo dedicar muito do seu tempo às atividades econômicas, uma grande parte dos frutos deste trabalho e uma considerável porção do dia são dispensados em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo humano, cuja aparência e saúde surgem como o interesse dominante no ethos deste povo. Embora tal tipo de interesse não seja, por certo, raro, seus aspectos cerimoniais e a filosofia a eles associadas são singulares.

A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é repugnante e que sua tendência natural é para a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única esperança do homem é desviar estas características através do uso das poderosas influências do ritual e do cerimonial. Cada moradia tem um ou mais santuários devotados a este propósito. Os indivíduos mais poderosos desta sociedade têm muitos santuários em suas casas e, de fato, a alusão à opulência de uma casa, muito freqüentemente, é feita em termos do número de tais centros rituais que possua. Muitas casas são construções de madeira, toscamente pintadas, mas as câmeras de culto das mais ricas têm paredes de pedra. As famílias mais pobres imitam as ricas, aplicando placas de cerâmica às paredes de seu santuário.

Embora cada família tenha pelo menos um de tais santuários, os rituais a eles associados não são cerimônias familiares, mas sim cerimônias privadas e secretas. Os ritos, normalmente, são discutidos apenas com as crianças e, neste caso, somente durante o período em que estão sendo iniciadas em seus mistérios. Eu pude, contudo, estabelecer contato suficiente com os nativos para examinar estes santuários e obter descrições dos rituais.

O ponto focal do santuário é uma caixa ou cofre embutido na parede. Neste cofre são guardados os inúmeros encantamentos e poções mágicas sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Tais preparados são conseguidos através de uma serie de profissionais especializados, os mais poderosos dos quais são os médicos-feiticeiros, cujo auxilio deve ser recompensado com dádivas substanciais. Contudo, os médicos-feiticeiros não fornecem a seus clientes as poções de cura; somente decidem quais devem ser seus ingredientes e então os escrevem em sua linguagem antiga e secreta. Esta escrita é entendida apenas pelos médicos-feiticeiros e pelos ervatários, os quais, em troca de outra dadiva, providenciam o encantamento necessário. Os Nacirema não se desfazem do encantamento após seu uso, mas os colocam na caixa-de-encantamento do santuário doméstico. Como tais substâncias mágicas são especificas para certas doenças e as doenças do povo, reais ou imaginárias, são muitas, a caixa-de-encantamentos está geralmente a ponto de transbordar. Os pacotes mágicos são tão numerosos que as pessoas esquecem quais são suas finalidades e temem usá-los de novo. Embora os nativos sejam muito vagos quanto a este aspecto, só podemos concluir que aquilo que os leva a conservar todas as velhas substâncias é a idéia de que sua presença na caixa-de-encantamentos, em frente à qual são efetuados os ritos corporais, irá, de alguma forma, proteger o adorador.

Abaixo da caixa-de-encantamentos existe uma pequena pia batismal. Todos os dias cada membro da família, um após o outro, entra no santuário, inclina sua fronte ante a caixa-de-encantamentos, mistura diferentes tipos de águas sagradas na pia batismal e procede a um breve rito de ablução. As águas sagradas vêm do Templo da Água da comunidade, onde os sacerdotes executam elaboradas cerimônias para tornar o líquido ritualmente puro.

Na hierarquia dos mágicos profissionais, logo abaixo dos médicos-feiticeiros no que diz respeito ao prestígio, estão os especialistas cuja designação pode ser traduzida por "sagrados-homens-da-boca". Os Nacirema têm um horror quase que patológico, e ao mesmo tempo fascinação, pela cavidade bucal, cujo estado acreditam ter uma influência sobre todas as relações sociais. Acreditam que, se não fosse pelos rituais bucais seus dentes cairiam, seus amigos os abandonariam e seus namorados os rejeitariam.


Acreditam também na existência de uma forte relação entre as características orais e as morais: Existe, por exemplo, uma ablução ritual da boca para as crianças que se supõe aprimorar sua fibra moral.

O ritual do corpo executado diariamente por cada Nacirema inclui um rito bucal. Apesar de serem tão escrupulosos no cuidado bucal, este rito envolve uma prática que choca o estrangeiro não iniciado, que só pode considerá-lo revoltante. Foi-me relatado que o ritual consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas de porco na boca juntamente com certos pós mágicos, e em movimentá-lo então numa série de gestos altamente formalizados. Além do ritual bucal privado, as pessoas procuram o mencionado sacerdote-da-boca uma ou duas vezes ao ano. Estes profissionais têm uma impressionante coleção de instrumentos, consistindo de brocas, furadores, sondas e aguilhões. O uso destes objetos no exorcismo dos demônios bucais envolve, para o cliente, uma tortura ritual quase inacreditável. O sacerdote-da-boca abre a boca do cliente e, usando os instrumentos acima citados, alarga todas as cavidades que a degeneração possa ter produzido nos dentes. Nestas cavidades são colocadas substâncias mágicas. Caso não existam cavidades naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são extirpadas para que a substância natural possa ser aplicada. Do ponto de vista do cliente, o propósito destas aplicações é tolher a degeneração e atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do rito evidencia-se pelo fato de os nativos voltarem ao sacerdote-da-boca ano após ano, não obstante o fato de seus dentes continuarem a degenerar.
Esperemos que quando for realizado um estudo completo dos Nacirema haja um inquérito cuidadoso sobre a estrutura da personalidade destas pessoas, Basta observar o fulgor nos olhos de um sacerdote-da- boca, quando ele enfia um furador num nervo exposto, para se suspeitar que este rito envolve certa dose de sadismo. Se isto puder ser provado, teremos um modelo muito interessante, pois a maioria da população demonstra tendências masoquistas bem definidas.

Foi a estas tendências que o Prof. Linton (1936) se referiu na discussão de uma parte específica dos ritos corporal que é desempenhada apenas por homens. Esta parte do rito envolve raspar e lacerar a superfície da face com um instrumento afiado. Ritos especificamente femininos têm lugar apenas quatro vezes durante cada mês lunar, mas o que lhes falta em freqüência é compensado em barbaridade. Como parte desta cerimônia, as mulheres usam colocar suas cabeças em pequenos fornos por cerca de uma hora. O aspecto teoricamente interessante é que um povo que parece ser preponderantemente masoquista tenha desenvolvido especialistas sádicos.

Os médicos-feiticeiros têm um templo imponente, ou latipsoh, em cada comunidade de certo porte. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para tratar de pacientes muito doentes, só podem ser executadas neste templo. Estas cerimônias envolvem não apenas o taumaturgo, mas um grupo permanente de vestais que, com roupas e toucados específicos, movimentam-se serenamente pelas câmaras do templo.

As cerimonias latipsoh são tão cruéis que é de surpreender que uma boa proporção de nativos realmente doentes que entram no templo se recuperem. Sabe-se que as crianças pequenas, cuja doutrinação ainda é incompleta, resistem às tentativas de levá-las ao templo, porque "é lá que se vai para morrer". Apesar disto, adultos doentes não apenas querem mas anseiam por sofrer os prolongados rituais de purificação, quando possuem recursos para tanto. Não importa quão doente esteja o suplicante ou quão grave seja a emergência, os guardiões de muitos templos não admitirão um cliente se ele não puder dar uma dádiva valiosa para a administração. Mesmo depois de ter-se conseguido a admissão, e sobrevivido às cerimônias, os guardiães não permitirão ao neófito abandonar o local se ele não fizer outra doação.

O suplicante que entra no templo é primeiramente despido de todas as suas roupas. Na vida cotidiana o Nacirema evita a exposição de seu corpo e de suas funções naturais. As atividades excretoras e o banho, enquanto parte dos ritos corporais, são realizados apenas no segredo do santuário doméstico. Da perda súbita do segredo do corpo quando da entrada no latipsoh, podem resultar traumas psicológicos. Um homem, cuja própria esposa nunca o viu em um ato excretor, acha-se subitamente nu e auxiliado por uma vestal, enquanto executa suas funções naturais num recipiente sagrado. Este tipo de tratamento cerimonial é necessário porque os excreta são usados por um adivinho para averiguar o curso e a natureza da enfermidade do cliente. Clientes do sexo feminino, por sua vez, têm seus corpos nus submetidos ao escrutínio, manipulação e aguilhadas dos médicos-feiticeiros.

Poucos suplicantes no templo estão suficientemente bons para fazer qualquer coisa além de jazer em duros leitos. As cerimônias diárias, como os ritos do sacerdote-da-boca, envolvem desconforto e tortura. Com precisão ritual as vestais despertam seus miseráveis fardos a cada madrugada e os rolam em seus leitos de dor enquanto executam abluções, com os movimentos formais nos quais estas virgens são altamente treinadas. Em outras horas, elas inserem bastões mágicos na boca do suplicante ou o forçam a engolir substâncias que se supõe serem curativas. De tempos em tempos o médico-feiticeiro vem ver seus clientes e espeta agulhas magicamente tratadas em sua carne. O fato de que estas cerimônias do templo possam não curar, e possam mesmo matar o neófito, não diminui de modo algum a fé das pessoas no médico feiticeiro.

Resta ainda um outro tipo de profissional, conhecido como um "ouvinte". Este "doutor-bruxo" tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas enfeitiçadas. Os Nacirema acreditam que os pais enfeitiçam seus próprios filhos; particularmente, teme-se que as mães lancem uma maldição sobre as crianças enquanto lhes ensinam os ritos corporais secretos. A contra-magia do doutor bruxo é inusitada por sua carência de ritual. O paciente simplesmente conta ao "ouvinte" todos os seus problemas e temores, principalmente pelas dificuldades iniciais que consegue rememorar. A memória demonstrada pelos Nacirema nestas sessões de exorcismo é verdadeiramente notável. Não é incomum um paciente deplorar a rejeição que sentiu, quando bebê, ao ser desmamado, e uns poucos indivíduos reportam a origem de seus problemas aos feitos traumáticos de seu próprio nascimento.

Como conclusão, deve-se fazer referência a certas práticas que têm suas bases na estética nativa, mas que decorrem da aversão profunda ao corpo natural e suas funções. Existem jejuns rituais para tornar magras pessoas gordas, e banquetes cerimoniais para tornar gordas pessoas magras. Outros ritos são usados para tornar maiores os seios das mulheres que os têm pequenos e torná-los menores quando são grandes. A insatisfação geral com o tamanho do seio é simbolizada no fato de a forma ideal estar virtualmente além da escala de variação humana. Umas poucas mulheres, dotadas de um desenvolvimento hipermamário quase inumano, são tão idolatradas que podem levar uma boa vida simplesmente indo de cidade em cidade e permitindo aos embasbacados nativos, em troca de uma taxa, contemplarem-nos.

Já fizemos referência ao fato de que as funções excretoras são ritualizadas, rotinizadas e relegadas ao segredo. As funções naturais de reprodução são, da mesma forma, distorcidas. O intercurso sexual é tabu enquanto assunto, e é programado enquanto ato. São feitos esforços para evitar a gravidez, pelo uso de substâncias mágicas ou pela limitação do intercurso sexual a certas fases da lua. A concepção é na realidade, pouco freqüente. Quando grávidas as mulheres vestem-se de modo a esconder o estado. O parto tem lugar em segredo, sem amigos ou parentes para ajudar, e a maioria das mulheres não amamenta seus rebentos.

Nossa análise da vida ritual dos Nacirema certamente demonstrou ser este povo dominado pela crença na magia. É difícil compreender como tal povo conseguiu sobreviver por tão longo tempo sob a carga que impôs sobre si mesmo. Mas até costumes tão exóticos quanto estes aqui descritos ganham seu real significado quando são encarados sob o ângulo relevado por Malinowski, quando escreveu:
"Olhando de longe e de cima de nossos altos postos de segurança na civilização desenvolvida, é fácil perceber toda a crueza e irrelevância da magia. Mas sem seu poder de orientação, o homem primitivo não poderia ter dominado, como o fêz, suas dificuldades práticas, nem poderia ter avançado aos estágios mais altos da civilização"

PS: Agora que você já leu o texto. Vale a pena relê-lo, sabendo que NACIREMA é AMERICAN ao contrário. Sim, o texto refere-se à sociedade americana na década de 60/70 do Século XX. Escrito e principalmente LIDO como se se tratasse de um exótico povo indígena pergunte-se se você não transportou para a leitura uma carga de preconceito. Se não tendeu a prejulgar os vários hábitos ali expostos como rituais mágicos e, portanto, de menor importância cultural (menos "evoluídos") que o nosso viver de "não índios". Agora você pode reler o texto, se quiser, invertendo as palavras-chave(Notgnihsaw=Washington, latipsoh=hospital, etc) e boa sorte, em busca do fortalecimento do sentimento de ALTERIDADE.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Mais fotos de construção de arranha-céus em Nova Iorque




Uma falha minha: esqueci de relacionar os nomes dos fotógrafos, autores dessas belíssimas fotos. São fotografos famosos e tiveram a sensibilidade de registrar esses momentos. Se alguém souber seus nomes, me avisem, para que possa homenageá-los.

Blog brasileiro aborda questões de interesse do Judiciário

Frederico Vasconcelos, 63 anos, é jornalista investigativo da Folha de São Paulo. Esse pernambucano mantém um blog de excelente qualidade e com informações muito importantes sobre o meio jurídico. Você pode acessá-lo no endereço http://blogdofred.folha.blog.uol.com.br/
Na postagem de 12/05/2008 Frederico aborda a grande repercussão da absolvição do Fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do Assassinato da missionária Doroty Stang, no ano de 2005. Como amplamente anunciado, o Tribunal do Júri do Pará reformou a sentença que o condenava a 30 anos de prisão.

Um blog imperdível: Generación Y

O Terra Magazine trás uma entrevista imperdível com a blogueira Yoná Sanchez, filóloga cubana que, a partir de Havana, narra suas inquietações acerca da vida na Ilha. Há um link com o blog, escrito em espanhol, mas possível de ler. Dentre as histórias contadas, destaco a do estudante de direito que foi expulso do sistema educacional por questões políticas. O rapaz chama-se Néstor e a postagem que trata sobre seu drama está dentre os arquivos de abril/2088 sob o título: "Cómo decirle..."
Escreve Yonai:"...Néstor, de continuar en su carrera, habría aprendido derecho romano, se hubiera puesto la toga y defendido a cientos de acusados. Su diploma tendría -como el mío- el enunciado optimista de una profesión. Sin embargo, en la tinta de la vida, en el papel alba de la realidad, habría sabido que las leyes son tan cambiantes y elásticas como convenga a quienes las escriben.Cuando el rector y la mayoría de los colegas de su aula votaron por sacarlo de la Universidad, le enseñaron cuan veleidosa es la justicia. Sin proponérselo, lo salvaron de arrastrar otro título como el que yo escondo: tan lleno de conocimientos como de límites..."
Vale a pena ler a excelente reportagem do Terra Magazine: http://terramagazine.terra.com.br/.
Um trecho da entrevista do jornalista Daniel Milazzo:"...Yoani Sánchez é cubana. Vive em Havana. Tem 32 anos, é formada em Filologia, mãe e blogueira. Há pouco mais de um ano, ela mantém o blog Generación Y, onde expressa críticas, divagações, impressões e relatos da realidade cubana. Apesar das tentativas do governo cubano em frear a visibilidade do blog, mediante filtros e censura, a iniciativa de Yoani foi reconhecida, e em abril ela recebeu o prêmio "Ortega y Gasset" do jornal espanhol El País. A cerimônia foi realizada na noite de 7 de maio, em Madri, porém, Yoani não pôde comparecer. O motivo? O governo cubano não autorizou sua saída do país.
De acordo com a revista Time, Yoani Sánchez é uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Ela está na categoria heróis e pioneiros. Em entrevista a Terra Magazine, a blogueira fala do fenômeno de audiência de Generación Y - que acumula milhões de acessos - ressalta a importância que o mercado negro ainda representa na vida dos cubanos e qualifica as últimas medidas de Raúl Castro como tentativa de "atenuar a pressão social para preservar o poder".

sábado, 10 de maio de 2008

Causo Verídico: bingo “nervoso” no Verdão.



Essa história ocorreu com um amigo professor. Na época ele dava aulas num colégio estadual. Aconteceu na época em que vários bingos foram realizados no estádio Verdão. Eram anunciados prêmios de grande valor, em geral automóveis e as cartelas eram vendidas por semanas no comércio local. No dia do evento um palco central com som era montado no gramado e os veículos/prêmio estacionados estrategicamente perto das arquibancadas. Os melhores prêmios eram deixados para o final e o locutor ia se exaltando e estimulando a “galera”, ao tempo que ia “cantando” os números retirados de um grande globo. Tudo ao vivo. As arquibancadas do Verdão lotadas implicavam na constatação de que o evento movimentava quantias fabulosas. Era interessante o sistema de anúncio de que alguém tinha “batido”. O locutor sabia que “cantados” uma quantidade tal de números, provavelmente o vencedor estava por aparecer. E esse aparecia com os gritos e urros dos que estavam em seu entorno. O vencedor gritava “bati” e a galera ao redor dava uma força, agitando-se e urrando igual aos momentos de gol de final de campeonato. Com o barulho da turba o locutor no centro do gramado perguntava se o fulano havia mesmo “batido”. E o interessado tinha que demonstrar que sim, agitando a cartela ao tempo que dava uma pequena corridinha em direção ao centro do gramado, o que pela dimensão do Verdão significava uma corrida de uns cem metros. Nesse percurso o vencedor era aplaudido, vaiado e até tentavam jogar sacos plásticos com urina em sua direção(coisa de gente baixa!).
Mas o fato que vou contar não tem a ver diretamente com o bingo, mas ocorreu num dia de bingo. Meu amigo professor conta que em tendo adquirido suas cartelas dirigiu-se até o verdão. Mas desde antes de sua chegada ao estádio já lhe ocorrera os prenúncios de uma grande indisposição estomacal. Em resumo “algo se formou em seu interior”. E essa formação veio acompanhada de arrepios pelo corpo.
Conta meu amigo que apesar disso não pensou em desistir, ante os grandes valores dos prêmios: sonhava em sair do estádio triunfante, já dirigindo um dos carros sorteados. E claro, antes do começo do evento, já tinha se dirigido a vários banheiros do estádio. Estavam, como sempre, em condições lamentáveis. Um dedo de água acima do piso denunciava um alagamento de água misturada com urina. Prenúncio de que podia “pregá” uma frieira das bravas, daquelas de tratar com baciadas de creolina. Um nojo.
Diante da impossibilidade de utilização do banheiro do verdão e como a coisa ainda estava suportável, nosso amigo resolveu permanecer no evento. E sentou-se junto à massa, num dos anéis de cima das arquibancadas, justamente para sair rápido em caso de emergência.
E o bingo começou. E os arrepios aumentaram de intensidade. Ele conta que podia perceber até uma certa sintonia entre os arrepios e o cantar dos números. E o locutor: 24! é o tourinho da floresta! E la vinha um arrepio. E a barriga fazia aquele uóoooooooo surdo, como se algo estivesse se mexendo. E o frisson aumentando e a galera insuflada e excitada pelos primeiros prêmios urrava na arquibancada. Alguns até batiam os pés perto dele, imitando os tambores que anunciam o clímax de alguma coisa. E esses impactos só pioravam a situação. Chegou uma hora que ele antevia as comemorações, já se segurando, para que nada de excepcional e abrupto irrompesse nessa ocasião. Do meio do bingo pra frente nosso amigo já tinha perdido a atenção no locutor. É que ele sabia que não era o caso daquele tipo de pressão que “carimba a zóiba”. O negócio seria mais explosivo, com certeza. Todo seu corpo e mente estavam concentrados para evitar o pior, que seria o vexame completo, perante milhares de pessoas. Nosso amigo não podia pensar, sequer em se livrar de gases. Embora soubesse, do fundo de sua alma que uma quantidade considerável deles estavam a girar em suas entranhas, pressionando, pressionando...Era o corpo estranho naquela aflição de “me tira daqui!”
Algazarras, gritaria, excitação ao seu redor na parte final do bingo. Eram os melhores prêmios. E como esses eventos acabam gerando uma certa proximidade solidária com as pessoas, nosso amigo conta que alguém percebera seu semblante um tanto quanto carregado, sua postura recolhida, acanhada, em sofrimento, expressão de angústia no rosto. E tributando, o desconhecido, tal postura com o não ganhar dos prêmios, resolvera ser solidário. Para completar, além da agitação normal, quando um sorteio terminava e nosso amigo não ganhava, o tal cidadão, no intuito de se solidarizar vinha com tapinhas nas suas costas com aquelas frases do tipo: não fica assim não! Na próxima dá! Mas, os tapinhas. Ah aqueles tapinhas... Eram como provocações ao “corpo estranho”. Nosso amigo conta que Ele(o corpo estranho) se “azangava”!Tinha personalidade a coisa! E não teve jeito. Dessa parte do bingo para a frente nosso amigo já passara abertamente a rezar para que nada ocorresse no local. Pensou mesmo que se o pior acontecesse ali, no meio daquela turba, talvez por nojo não o linchassem, mas milhares de pessoas iriam “abrir” dali. Um clarão apareceria na arquibancada o que por sua vez chamaria a atenção da organização... ia ser um caos...sua situação discutida ao vivo, pelo microfone do locutor...se o cara fosse muito engraçadinho poderia perguntar: qual o seu nome meu filho? Essas coisas...
A situação era terrível, mas, o mal maior não ocorreu.
Era hora de tomar uma atitude e nosso amigo a tomou corajosamente. Concentrou-se e se levantou. Resolveu ir embora a pé. E talvez encontrasse um terreno baldio, ali pelas cercanias do Verdão...E ele conta que naquela situação começou a percorrer o longo espaço que liga as arquibancadas com as portarias do verdão. Andava se arrastando. Nem se podia ver seu pescoço de tão encolhido. Ele parecia um velho de setenta anos, um pé depois do outro, com suas chinelas se movimentando... De repente o bingo acabou. E a galera, que estava de ônibus, claro, começou a correr em direção aos veículos estacionados para garantir vaga para a primeira viagem. Centenas de pessoas correndo. Eles iam passar por ele. E se alguém lhe desse um esbarrão ? Antevendo essa possibilidade suas preces aumentaram. Momentos terríveis de tensão quando aquele povaréu passou perto dele, aquele tremor da correria. Ele se encolheu definitivamente no aguardo da boiada estourada. Nesse momento ele recebeu um abraço apertado. Uma aluna o reconhecera e o cumprimentara: PROFESSOR, O SENHOR AQUI???!!!!
Ele jura que com esse abraço uma lágrima percorreu o seu rosto. Não pela emoção, mas pela percepção de que talvez tudo pudesse ter ido por água abaixo...Antes de cumprimentá-la certificou-se de que ainda estava a salvo. Então, como estava “estranho” e “branco” nas palavras dela, ele lhe abriu o coração e pausadamente contou o que estava ocorrendo. Talvez, o sentido de proteção próprio da sua condição de mestre tenha lhe impelido a contar, numa espécie de alerta: filha, corra daqui!
Mas a aluna lhe tranquilizou e lhe disse: professor, moro perto daqui. Venha até minha casa, por favor!E assim, pela primeira vez nas últimas três horas ele sentiu uma esperança de que tudo acabaria bem. E amparado pela aluna dirigiu-se pé ante pé para a casa daquela.
Tudo poderia ter acabado aqui. Mas tem mais.
Realmente a aluna morava numa casa próxima ao verdão. Era uma casa simples e para sorte do nosso amigo não tinha muita gente em casa. Os pais da mesma estavam para fora, conversando com vizinhos, aproveitando do frisson da festa popular no estádio vizinho.. Após uma breve apresentação ele foi encaminhado para dentro da casa. Perto da entrada uma sala, com sofás e um banheiro. Da sala ele pode perceber que a casa não era forrada e que dava para ver, bem acima da estrutura do banheiro a caixa d´agua de eternit. Dava pra ver até a bóia. Ele direcionado pela aluna, abriu a folha da porta e avistou o vaso. Fechou a porta. Abaixou rapidamente as calças. Rapidamente, mas concentrado, para que a coisa não esculhambasse justamente quando a salvação estava tão próxima e....até fechou os olhos....mandou ver...passagem de ano da praia de Copacabana perdeu em tempo de tiroteio... O negócio foi feio, foi terrível. Ele conta que realmente algo muito estranho havia se formado em seu interior e ele não sabia o que era. Parecia que algo muito “especial” estava morto lá dentro, há dias...Mas nosso amigo estava tranquilo. De forma maquiavélica já pensava em fazer o que tinha que fazer de forma mais rápida possível para que os parentes da menina não tivessem tempo de voltar para casa. Assim, quando retornassem já estaria longe e a salvo. Talvez um constrangimento quando a visse novamente na escola...Mas ela era uma boa menina e parecia discreta. Talvez um grupinho de no máximo uns dez alunos ao final soubessem do evento...mas também acabariam se esquecendo depois de um tempo...ah...mandar ver mesmo... E mandou ver...
Terminado o serviço nosso amigo conta que ele mesmo não estava aguentando o “bodum”. O negócio estava realmente especial. O suor ainda escorria em seu rosto, mas um alívio percorria a sua alma, sem exagero. Levantou-se e puxou a descarga. Era um daqueles cordões com um pino branco na ponta. Experiente, malandro, puxou com muito cuidado a descarga, com medo que a mesma arrebentasse, sei lá. E aquele chuáaaaaaaaaaaaa barulho característico da descarga irrompeu. A água veio. Até com volume, mas...como o azar vem sempre em ondas....não foi o suficiente para uma limpeza completa. Mas nosso amigo ouviu então o barulho característico da caixa d´água se recompondo´. Nem tudo estava perdido. Mas ele notou um burburinho na sala contígua. Tinha gente na sala. E como sair? Com aquele cheiro horrível?Aí que ele teve a grande idéia. Abriu o armário do banheiro em busca de algum produto que amenizasse o odor. E não havia nada utilizável: nem Shampoo, nem sabonete líquido, pinho sol (seria sonhar demais ter pinho sol)...só tinha uma pasta de dente Kolinos daquela amarela e verde. Meio tubo de Kolinos. Aí ele pensou: ah acho que dá aquele frescor né? E logo passou a espremer o tubo no vaso. Até artisticamente. Em rodelas ao redor do vaso pútrido. E quando a água parecia ter voltado ele incorreu no erro que não tinha cometido da primeira vez. Relaxara. Puxou com força o cordão da descarga. E o que aconteceu? A p. do cordão rompeu-se.....lá em cima....na argolinha...
Ele ainda tentou subir no vaso... mas depois de alguns minutos desistiu. A maré tava t]ao brava que só faltava ele quebrar a porcaria do vaso. Então ele guardou o que sobrou do kolinos e o cordãozinho no armário e se preparou para sair. O vaso nem tinha tampa. Quem entrasse ali iria notar que ele gastara meio tubo de Kolinos do vaso, imediatamente. Danou-se. Vazar dali. Rapidamente.
Mas o pior foi quando ele abriu a porta. Abriu a porta e obviamente acompanhou-o todo aquele ar quente e podre do interior do banheiro. Com desolação percebeu instantaneamente que toda a família da moça também gostava de bingo. Como toda família cuiabana era numerosa. Primos, tios, tias, sobrinhos, adolescentes, velhos, gente de todo tipo na sala. Muita gente em pé e vários amontoados nos sofás. Ume menininha de uns dois anos, estava caminhando em sua direção. Meu amigo jura que com a abertura a porta, talvez pelo odor que a colheu, a menininha até caiu ao chão, de bunda. Todos o olhavam. Silêncio total na sala. Ele abaixou a cabeça. Sua aluna não estava dentre os presentes. E, se estava, não lhe dirigiu palavra. Ele saiu calmamente já se preparando para “ele” – sim, “ele” o gaiato que existe em toda família – no meio daquela gente toda teria com certeza ao menos um gaiato. Mas meu amigo conta que era um gaiato vergonhoso. Talvez com pena o gaiato pegou leve com ele. Percorrida quase toda a sala em direção à porta, quando já quase estava fora ele ouviu um leve: que que isso hein? Muitos riram. Nosso amigo só apertou o passo. O frescor da noite o colheu na parte de fora da casa. E ele finalmente pode ir para a sua.

Causo Verídico: A diligência do macaco "saliente".


Como todo aquele que milita no foro em geral sabe, os oficiais de justiça são, talvez, os representantes da Justiça que mais conhecem da realidade pessoal dos jurisdicionados. Isso porquê, por força do ofício, dirige-se até os cidadãos, em seus locais de trabalho, em suas casas, em seus domicílios. Essa abordagem, geralmente conflituosa, pode ser, também, bastante prazerosa. Ela possibilita o desenvolvimento de um viés diferenciado do servidor comum, das Varas, que também atende ao público. É que feito o contato, muitas vezes para dar ao destinatário uma notícia não tão confortável, coitado daquele que não detém uma grandeza de alma para se transmutar em psicólogo, orientador ou mesmo repressor, se preciso for. Assim, se o “alvo” da diligência perdeu a causa e está para sofrer execução, se está sendo compelido a prestar depoimento sob vara, se recebe intimação para entrega de bens ou mesmo a citação inicial das demandas, essa diligência pode se transformar em problemas para o Oficial de Justiça. Isso no âmbito trabalhista.
Mas nem só de problemas vive o Oficial de Justiça, cuja atuação é crucial para resolvê-los satisfatoriamente(a própria demanda). Muitas vezes fatos curiosos e engraçados acontecem no dia a dia. Alguns fatos jocosos envolvendo oficiais de justiça acabam em domínio público. Um Oficial da Justiça Federal uma vez certificou que tinha ido tantas vezes ao endereço do mandado, que o cachorro da residência até já se mostrava amistoso com sua presença. Tem aquela, famosa, do oficial de justiça que teria relacionado no auto de penhora “um crucifixo da marca INRI”...
Mas, para mim, um dos episódios marcantes foi a diligência do macaco saliente.
Na época (e lá se vão mais de quatorze anos), na condição de um dos poucos(menos de dez) oficiais de justiça avaliadores do TRT da 23ª Região e, dividindo com o colega Adauto toda a região de Várzea Grande, eis que apareceu para cumprimento um mandado de intimação de testemunha. O endereço era num bairro novo de Várzea Grande, lado direito da Avenida Júlio Campos, direção do Trevo do Lagarto(Atenção – é Lagarto e não Largato!). O bairro em questão não era asfaltado, era pouco povoado, com vários terrenos baldios, poucas casas e uma terra vermelha com um pó que se levantava com a passagem dos carros. Para complicar, não havia menção a número nas residências e nem as ruas tinham nome. Certamente era um bairro nascido de um loteamento e acabei rodando um bom tempo pelo local sem qualquer progresso. Aí então notei que o advogado tinha sido diligente. Ao lado do endereço do tipo “Av L2, qualquer coisa”, havia uma observação: “casa com uma árvore na frente com um macaco amarrado”.
Achei engraçada aquela informação, mas comecei a parar os poucos transeuntes perguntando sobre uma casa com aquela árvore em frente e, claro, com ênfase no tal macaco.
De repente, naquele poeirão vermelho vi alguns meninos voltando da escola. Era um grupo de escola estadual com aquelas camisas brancas de tergal (quer dizer, vermelhas da terra, já), calça azul marinho e tênis. Já usei muito essas roupas típicas de escola pública. Nos pés usávamos CONGA, depois KICHUTE. É sou velho mesmo, mas vamos pra frente. Olhei um menino branquinho, cabelos loiros que nem andava. Tinha tanta energia que até quicava. Pensei: com certeza esse menino sabe do macaco! Parei o carro ao lado e perguntei da casa e do macaco. O menino sabia, claro. E ao dizer que sabia já saiu quicando na frente do carro: por aqui, por aqui! Entra em rua sai em rua e o guri na frente, com o cabelinho loiro(avermelhado) até pregado na testa, todo suado.
Enfim, o guri me levou à tal casa. Era uma casa de material, num lote que ficava bem abaixo do nível da rua. A árvore em frente era frondosa, bem grande, mas por conta da diferença de altura entre o lote e a rua podia-se ver, com perfeição, que num dos seus galhos estava realmente preso um grande macaco. Não me pergunte a raça, ou maiores especificações técnicas. Não era um chipanzé. Era um macaco da fauna brasileira. Tinha rabo comprido. Não era mico, apesar daquela situação toda “cheirar a um grande mico”.
Bati palmas e o morador veio até mim. Òtimo! era o intimando em pessoa, que passou a conversar comigo ao lado do carro. O guri? Ficou do lado também, só que quicava, atentando o macaco. Aí que notei algo estranho. Era uma diligência tranquila, de intimação de testemunha, mas o intimando não estava tranquilo. Podia perceber sua expressão de preocupação, parecia muito incomodado com alguma coisa. Seria temor da Justiça do Trabalho? Iria perder dia de trabalho depondo? Me pus a explicar sobre a audiência, local, horário, obrigatoriedade de comparecimento, etc. Até para acalmá-lo. Mas de repente ele soltou um: ôh guri, não joga nada nele não! E logo depois um outro “ôh guri!” voltou a interromper a conversa. Percebi sua irritação e pedi desculpas me responsabilizando pela presença do menino, mas que fora o único que soubera me explicar o endereço. O moço me falou entre dentes: pois é esse guri vem todo dia atentar meu macaco!
Pronto para ir embora, diligência completa, quis dar a mão pro intimando no exato momento em que ele gritou: cuidado! E iniciou uma corridinha. Eu, com o susto corri junto. Ao tempo de perceber vários “projetis” lançados em nossa direção. Um cheiro forte, horrível tomou conta do ambiente. O menino, que quicava ao nosso lado, havia sido o verdadeiro alvo dos “projetis”. Como todos havíamos nos safado tive tempo de entender a situação. O macaco, muito bravo e certamente inconsolado por não poder atacar diretamente o menino(estava acorrentado), defecou nas mãos e “mandou bala” em nossa direção.
Percebi o perigo da situação e antes que o inimigo “se armasse”, recarregando mais “munição”, entrei apressadamente no meu carro e sai da praça de guerra. O poeirão vermelho levantou novamente e pelo retrovisor pude ver o menino quicando, na estrada de chão, certamente ia pra casa, ou atentar ou macaco saliente.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Causo Verídico: Salvador e a história da prancha de “bóri bordi”.




Gente do céu! Magnificat! Esse causo é verdadeiro e aconteceu em Salvador, na época da Faculdade. É claro que vou contar o causo, mas não vou contar o nome do Santo. É que hoje trata-se de proeminente figura do meio jurídico sideral... além do quê ainda é um grande amigo.
Para deixar bem claro a todos é preciso dizer que na época da Faculdade viajávamos bastante. Os Encontros Nacionais de Estudantes de Direito – ENED´s e mesmo os Encontros Regionais de Estudantes de Direito – ERED´s, eram eventos aos quais a Delegação de Mato Grosso nunca faltava, embora tenhamos chegado em um com uma semana de atraso(ENED de Tramandaí/RS).
Mas nesse de Salvador ocorreu um fato insólito: um quase-afogamento. Esse quase-afogamento só não aconteceu pela presença de espírito do amigo Seba(ilustre causídico Sebastião).
Mas vamos à cena. O fato ocorreu quando eu, Seba e o quase-afogado, amigos inseparáveis em Salvador, fomos para a praia, juntamente com alguns ouros integrantes da nobre delegação de Mato Grosso ( em um momento de lazer, fora das discussões temáticas). Paramos numa tal de Praia do Sesc. Logo fomos informados de que se tratava de uma praia de surfistas, com mar agitado e profunda. Em cuiabanês: Tcheia de onda e não batia pé!!!
Forante Seba, que já havia estado no litoral, confesso que eu e o quase-afogado - ele recém egresso do bairro “Wednesday” (quarta-feira, também cognominado Alvorada) -, nunca havíamos visto mar na vida. Tanto que entramos, com porte de surfista e corridinha de propaganda de dentifrício, mas na verdade estávamos mesmo é nos pelando de medo daquele açudão...cepo do açudão...burro do açudão!!!
Depois da corridinha. Ah! Claro. Antes da corridinha do quase-afogado, vale a pena explicar que ele havia emprestado uma sunga do Seba. A mesma sunga, aliás, que o Seba havia emprestado de seu pai, o grande médico cuiabano, infelizmente já falecido, Dr. Artaxerxes, que era um homem de grande porte físico. Já o quase-afogado, à época, detinha aquele porte um tanto quanto “esmilinguido”, como se diz no cuiabanês. Em resumo, o sungão ficou sungão mesmo: “R E D Í C U L O!” E a corridinha foi anssim meio trupicano, meio segurando a sunga. Abordado o mar, para ficarem poéticas as braçadas de nadadores de córgo(esticando o pescoção em busca do Saran), eis que percorremos uns trinta metros. Legal, mas... e prá voltar xamêgo? Eu testei o pé... e não dava pé...comentei com os amigos: gente do céu! Aqui é fundo pra dedéu...mais fundo que o açude do Cedral! Vamo Voltá!
Nesse momento já deu para sentir o olhar de desespero do quase-afogado. Mas mesmo assim voltamos, naquele nado harmonioso só mirando a areia e mandando ver. Valia estilo catchorrinho, valia de um tudo pra sair dali. Mas mar, o sinhó sabe como que é....vc nada, nada, nada e....nada! Não sai do lugar! Mas eu e Seba até que conseguíamos avançar. O problema ficou sendo o quase-afogado. Ele desesperou, coitado, porque o nado cachorrês dele não dava nem pra sair...E, Seba disse: pelamadrugada! Ele desceu! E o quase-afogado desceu uma vez, já meio que revirando os olhinhos...Desespero total. Eu me postei em sua direção, mas Seba alertou: larga dele que ele vai grudá em você e vão vocês dois pro fundo! E o quase-afogado desceu novamente, meio gorfano. Nessa segunda, já foi dando o desespero ni nóis...num tem quando o povo afoga e até levanta o bracinho com o indicador pra cima? Meio que indicando o lugar que ele tá afogando? Pois então...a segunda gorfada já teve dedinho pra cima....Mas aí que eu falo pro sinhó: tem que tê tutano! E boa idéia! Ali perto da gente tinha um pré-adolescente com uma prancha dessas de bóri bordi. E foi a salvação! Seba tirou o menino da prancha, ou melhor, Seba tomou a prancha dele e jogou para o quase-afogado. E assim, depois de bastante tempo batendo pé e se apoiando na prancha de bóri bordi esse abnegado esportista do bairro wednesdey chegou até a areia. Só ficou meio chato no final, pois mesmo na areia, a salvo, ele grudou na prancha de bóri bordi. Estava em pânico. E o menino tentando retomá-la, impaciente, puxando ela por um lado e o quase-afogado “gatanhando” a prancha do outro...Esse fato realmente marcou a nossa estada em Salvador. Tem outras histórias, mas como uma delas aconteceu comigo, os outros se quiserem que montem um blog....Cruz credo! magnificat!

sábado, 3 de maio de 2008

Acidente em Chapada dos Guimarães – a Sociedade como vítima?



Um evento ocorrido recentemente me deixou atônito. Após um longo período sem retornar à Chapada dos Guimarães resolvemos almoçar na cidade, no domingo, 20 de abril. Almoçamos e depois fomos com as crianças para a Praça Central – Dom Wunibaldo. Entretanto, começou a chover e resolvemos retornar à Cuiabá. A Rodovia Emanoel Pinheiro, que liga Cuiabá à Chapada é conhecida por ser uma estrada perigosa com vários pontos críticos. E, com chuva esse perigo aumenta. Retornávamos, várias famílias em seus carros, a maioria em velocidade média e cuidado redobrado mas, como sempre, alguns “ases do volante” teimavam em desprezar a sorte empreendendo ultrapassagens sem sentido, para ganhar segundos ou quiça minutos na chegada à Capital.
Apesar da tensão nas descidas e curvas da saída da Chapada, tudo parecia ter dado certo. Mas, de repente ocorreu um acidente no trecho mais retilíneo da estrada, após a entrada para Manso, há pouco mais de dez quilômetros de Cuiabá. Provavelmente o acidente resultou de uma ultrapassagem mal sucedida pois ocorreu no final de uma subida. Foi um choque de frente entre dois carros. Logo após o acidente as duas pistas ficaram interditadas e uma longa fila de veículos se formou em ambos os sentidos da Rodovia. Os veículos ficaram enfileirados e meu carro acabou se aproximando do gravíssimo acidente há pouco mais de cem metros do mesmo. Estávamos com duas crianças e uma adolescente no carro e uma longa espera se iniciava para a liberação da pista. Pelo retrovisor, eu podia ver a fila enorme de mais de quilômetro que se formou atrás do meu carro. Carros pequenos, grandes, ônibus, carros populares, de luxo, revelando a variada gama de pessoas representadas naquela multidão: todos os extratos sociais.
Entretanto, o que nos causou espécie foi a reação dessas pessoas. Era o cair da noite e uma neblina fria e incômoda entristecia a paisagem retorcida do cerrado à beira da Rodovia. E o barulho das portas dos carros dos mais impacientes se abrindo e fechando passou a ser recorrente. As pessoas começaram a sair dos carros o que até então seria normal. Mas o que se passou a seguir, no meu entender, fugiu da normalidade. Uma curiosidade mórbida tomou conta das pessoas. Pelo retrovisor pude ver os primeiros que caminhavam rente aos carros se dirigindo para a cena do acidente. O burburinho foi aumentando e o fluxo de pessoas também. De repente, uma senhora gorda passou correndo ao lado do nosso carro e no afã de chegar mais rápido ao acidente jogou seus chinelos à margem da rodovia. Parecia tê-los abandonado mesmo, em prol do seu objetivo maior: chegar à cena. Depois, uma turba de adolescentes que estava num desses ônibus de excursão. Vários homens. E até mesmo um casal, com um bebê, coberto por uma fralda, para protegê-lo da neblina. Nesse momento a curiosidade já tinha ultrapassado os limites. O fato se tornou evento. Já havia correria de vários para o local. Alguns parâmetros como o bem estar de um bebê deixados de lado para que a curiosidade fosse saciada já estavam rompidos. Fiquei imaginando: seriam pessoas preocupadas com algum parente que seguira para Cuiabá um pouco antes? Passei a reparar suas fisionomias e verifiquei algo surpreendente. Eram expressões “normais” de pessoas diante de um evento corriqueiro da vida, como escolher frutas num stand de supermercado. Não vi expressões de preocupação ou temor por algum parente. Mas o pior foi a volta, dessas pessoas, pouco mais de trinta minutos, quando as providências das autoridades decerto já haviam sido tomadas(ouvimos o SAMU passar e várias viaturas da Polícia Rodoviária Estadual). No retorno alguns conferiam entre sorrisos de vitória as fotos tiradas em seus celulares. Pelos comentários dos vários que voltavam e que se esforçavam por demonstrar a todos os que pudessem ouvir suas teorias acerca do evento algumas informações entrecortadas nos “eram repassadas”( a senhora gorda ao recuperar o seu chinelo bradava suas impressões aos expectadores virtuais), numa espécie de mosaico que se ia formando. Provavelmente o veículo que retornava era ocupado por uma família. Havia crianças. Alguns ficaram presos nas ferragens. O quadro era grave. Talvez fulano não se salvasse.
O terrível quadro ganhou uma nota diferenciada para mim. Não tinha o foco nas vítimas. Mas nos expectadores do evento. Expectadores no sentido televisivo. Como uma cena de Big Brother em que pessoas comuns passam a ser protagonistas de algo que não se sabe o quê. Imaginei uma cena terrível: uma pessoa presa em ferragens. Inconsciente? Consciente o bastante para preocupar-se com o estado de saúde da esposa, de filhos? A preocupação de bombeiros, policiais, paramédicos, agindo com a rapidez possível. E há alguns metros dezenas de pessoas a acionar vários flashes de celular para capturar uma imagem sua, de uma privacidade ímpar. Um flagrante talvez do momento mais terrível de sua vida. E para quê? Talvez para passar via e-mail para alguns conhecidos, ou para a própria imprensa, emprestando-se, nesse ato, um relevo, uma importância de testemunha ocular do evento. Testemunha sem sentimentos. Fria e distante dos dramas. E que distância...que frieza...
Enfim, está lá, preso em ferragens o ser humano enquanto coisa. Um objeto de mídia que servirá para saciar a curiosidade mórbida de alguém e a alimentar essa coisa sem sentido que nada mais é que a banalização, a massificação da violência e de seus produtos, a blindar a nossa sensibilidade e a nos preparar para enfrentar(?????) um mundo cada vez mais terrível em que o outro....é coisa! Que coisa, não?

ICARUS – A FOTO



Alguns tem me perguntado acerca a foto que aparece no blog. Trata-se de uma fotografia de um trabalhador da construção civil no início do Século, em Nova York.
Coloquei essa foto porque ela é muito significativa em vários pontos.
1 -A época que representa – anos 30-40 nos Estados Unidos.
Com o fito de fugir da Grande Depressão, instaurada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, o Governo Americano passou implementar um pacote de medidas econômicas com o objetivo de fugir daquele que é considerado o mais longo período de recessão econômica do Século XX (teria findado, para os EUA com a Segunda Guerra Mundial).Neste ano, o Presidente americano Franklin Delano Roosevelt aprovou uma série de medidas conhecidas como New Deal. O New Deal, juntamente com programas de ajuda social realizados por todos os estados americanos, ajudaram a minimizar os efeitos da Depressão a partir de 1933. A maioria dos países atingidos pela Grande Depressão passaram a recuperar-se economicamente a partir de então. Em alguns países, a Grande Depressão foi um dos fatores primários que levaram à ascensão de regimes de extrema-direita, como os nazistas comandados por Adolf Hitler na Alemanha. O início da Segunda Guerra Mundial terminou com qualquer efeito remanescente da Grande Depressão nos principais países atingidos.). Este fato levou o presidente Hoover a perder as eleições para Franklin Delano Roosevelt. Ele, por sua vez, aprovou uma série de medidas de ficou conhecida como “New Deal”.
2 – O símbolo de recuperação econômica - Todos sabem que a construção civil é uma atividade econômica que tem reflexos mais imediatos na Economia de um país. Construir é empregar imediatamente os que não tem maiores qualificações técnicas, com reflexos em vários outros campos. Coloca esses trabalhadores no mercado formal e fomenta de forma imediata o mercado interno. Resulta, portanto, numa espécie de círculo virtuoso, numa maior arrecadação de impostos... e assim movimenta a máquina econômica.
3 – O flagrante das condições de trabalho – Uma curiosidade. Trabalhadores irlandeses foram os que se adaptaram mais facilmente às imensas alturas dos arranha-céus que passaram a ser construídos nessas décadas iniciais do Século XX. Há várias fotos famosas e lindíssimas em preto e branco desses trabalhadores que demonstram que muitas vezes trabalhavam sem quaisquer equipamentos de segurança. A foto demonstra um deles, dependurado num cabo de aço num arranha-céu sem estar preso sequer a um cabo. A esta foto adicionei a frase: Você acha o seu trabalho difícil?
4 – A nota de superação das dificuldades – essa foto significa ao menos para mim, que o medo pode ser vencido. As dificuldades só servem para dosar a coragem necessária para isso.

sexta-feira, 2 de maio de 2008